sexta-feira, 5 de agosto de 2011

O olhar de Guilherme Conte

Na temporada do instruções no CCSP, tivemos a presença do crítico Guilherme Conte do jornal O Estado de São Paulo e, após alguns dias, recebemos esse e-mai, no qual ele expõe a sua visão sobre a peça. Queríamos compartilhar esse texto em nosso blog não só pela satisfação que esse olhar nos proporcionou, mas também pela possibilidade de diálogo que surge nessas ocasiões. Segue abaixo:


"Espero que você perdoe o atraso de uma semana neste e-mail. No domingo em que vi o espetáculo, tive que sair rapidamente rumo a um jantar. Depois, corri para poder viajar, depois fui de fato viajar, e só sosseguei ontem. Aí já viu... O lado bom é que acabei levando o Cronópios comigo, então tudo fica mais vivo para poder falar da peça.
Faço questão de, antes de mais nada, dar os parabéns a vocês. Gostei muito de (instruções). Acho que vocês fizeram um bom trabalho, do qual têm de se orgulhar. Vocês conseguiram construir algo interessante em um terreno difícil; já vi algumas tantas tentativas de se levar o Cortázar ao palco, e a grande maioria sem sucesso. Vocês não só têm um belo espetáculo teatral como ele é posicionado e reivindica o olhar do coletivo; vocês estão ali, e refletem sobre a vida e a morte. É muito bonito como vocês colocaram isso, um patético delicado, naquela cena do jantar.
Tenho uma hipótese de porque o (instruções) realmente toca. Acho que é porque vocês não tentaram transpôr o Cortázar, nem adaptá-lo, nem transformá-lo em narrativa. A perspectiva épica foi uma ponte para que vocês traduzissem o imaginário do livro, a sensação tão íntima que a escrita do Cortázar nos dá. Um amigo definiu certa vez o efeito da leitura de O Deserto dos Tártaros, do Dino Buzzatti, como "o zero kelvin que se abate sobre o nosso coração". O Cortázar, neste livro, pra mim, é o contrário; são fogos de artifício, uma praia ensolarada no coração...
É por isso que o espetáculo me pegou. Me chamou a atenção a precisão gestual de vocês; até nisso acho que vocês dialogam com a maneira que o Cortazar construiu as Histórias. É um humor detalhista, que cria essa atmosfera insólita, com uma comicidade muito própria (e também de um universalismo), e que diz tanto sobre o humano. É a literatura como "assombro". O espetáculo de vocês não busca reproduzir este assombro, mas sim é fruto dele, e é justamente por isso que ele consegue dialogar com o universo do livro.
Meus parabéns, de verdade. E vocês já têm algum plano para outra temporada em vista?
Um beijo, obrigado pela atenção,
Guilherme"  

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